Acusado de tentar subornar um juiz e de tráfico de influência, o ex-presidente da França Nicolas Sarkozy foi condenado a três anos de cadeia por corrupção pelo 1.º Tribunal Criminal de Paris e cumprirá pena em prisão domiciliar. Sarkozy tentou obter, de forma ilegal, informações de um magistrado sobre uma ação legal em que era investigado, em 2014. Foi assim que comecei comentário em vídeo que postei no sábado 6 de março no Blog do Nêumanne no portal do Estadão. O juiz abordado, Gilbert Azibert, terminou não conseguindo um empregão em Mônaco.
A sentença destacou que Sarkozy usou seu status de ex-presidente para oferecer a Azibert, principal magistrado de Apelações da França, um ótimo emprego em Mônaco em troca de informações confidenciais sobre a tal investigação. O ex-presidente foi investigado por supostos pagamentos ilegais para sua campanha presidencial, em 2007, da herdeira da grife L’Oréal, Liliane Bettencourt. Com rigor a França tratou o assunto de vincular ou tentar vincular promoções a julgamentos. Ou seja, foi considerado que é corrupção oferecer promoção. Não havia dinheiro em jogo, lembrei no vídeo, que pode ser acessado no blog. E afirmei que a França combateu a perspectiva de mercados persas de nomeações e promoções no Judiciário, método useiro e vezeiro no Brasil. Os tribunais superiores por aqui nada têm que ver com os franceses. Vive la France!
O jornal O Globo tratou do assunto em editorial na segunda-feira 8, chamando a atenção para o fato de que a decisão ainda depende de sentenças emanadas de instâncias superiores e são notórias as dificuldades que o debate levantou naquele país europeu. E concluiu no último parágrafo: “Sempre haverá pressão política para melar investigações. É essencial resistir. Como resumiu o prefeito de Grenoble, Éric Piolle: ‘É preciso que as penas sejam executadas. A não execução das penas é a impunidade’. Vale para a França, vale para o Brasil.” Ou pelo menos deveria valer. Desde 2014 a impunidade tem sofrido vários revezes neste país graças à Operação Lava Jato de Curitiba e a alguns juízes como Sergio Moro, Marcelo Bretas e Walisney de Oliveira. O novo procurador-geral da República, Augusto Aras, seguindo orientação do chefe, que o nomeou passando por cima da tradição de indicar alguém da lista tríplice votada pelos procuradores, já deu por finda a exceção. Como lamentou o desembargador Fausto de Sanctis, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, na primeira instância, condenou os réus da Operação Castelo de Areia, mas estes seriam absolvidos por uma chicana: a denúncia original baseou-se em informação anônima e isso anulou todas as provas obtidas por agentes e procuradores federais no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O então ministro do STJ Asfor Rocha anulou a Castelo de Areia. Conforme delação de Antônio Palocci, figurão dos governos Lula e Dilma, Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça do primeiro, prometeu a Rocha, presidente do STJ à época, uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Como a vaga acabou não saindo, o pagamento teve de ser feito em propina de R$ 5 milhões, segundo consta na delação premiada de Palocci à Polícia Federal (PF). Isso tudo foi noticiado e por mim comentado no Estadão, neste blog, no rádio e na televisão. A promoção de Asfor Rocha ao STF não saiu porque a presidente Dilma Rousseff preferiu nomear o então também ministro do STJ Luiz Fux, que iria “matar no peito” o processo do mensalão, de cabo a rabo.
Isso ocorreu ainda com Régis Fichtner, o todo-poderoso chefe da Casa Civil no governo do famigerado Sérgio Cabral, que promoveu ao mesmo STJ seu cunhado Marco Aurélio Bellizze, indo contra a indicação de Adriana Ancelmo, então mulher do ex-governador, que, afinal, foi preso e condenado a 332 anos de cadeia. Aliás, em sua delação premiada Cabral confirmou tudinho! Mas essa é outra história. E até agora deu em nada.
Recentemente, no Nêumanne entrevista Fausto de Sanctis, publicado no Blog do Nêumanne no portal do Estadão, o desembargador citado criticou o desempenho do presidente Jair Bolsonaro no esforço conjunto dos três Poderes para promover o retrocesso do Brasil à impunidade generalizada. Seus temores se justificam em reportagem publicada nesta segunda-feira 8 de março e assinada pelo repórter Felipe Frazão: “Depois de fracassar na tentativa de blindar parlamentares da prisão, a Câmara se prepara para enfrentar, nas próximas semanas, uma série de discussões com potencial para afrouxar leis anticorrupção e dificultar investigações. Nos bastidores, as medidas são chamadas de ‘pacote da impunidade’ por adversários do presidente da Câmara, Arthur Lira Progressistas-AL). A ofensiva reúne propostas que vão de mudanças nas Leis de Improbidade Administrativa, da Ficha Limpa, da lavagem de dinheiro e da proteção de dados para fins penais até a inviolabilidade de escritórios de advocacia”. A agenda atende a interesses da confraria formada pelo Centrão e pela “oposição de esquerda”, interessados no liberou geral para seus chefões.
O sucesso inevitável dessa catastrófica ofensiva da gatunagem mostra que, mais do que um estelionatário eleitoral, Jair Messias Bolsonaro é o cavalão de Troia que vendeu um discurso inteiramente falso para se eleger. E, depois, cumprir sua missão de destruidor da modernização legislativa nacional para combater a corrupção, que já era adaptada ao mundo civilizado contemporâneo. Ali Babá opera para liberar 40 milhares de ladrões. Essa aliança espúria resultou na anulação dos processos contra Lula em Curitiba pelo relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, o que permitirá sua candidatura para ser adversário do presidente, como este deseja, no segundo turno de 2022. E é a liga metálica que impede o impeachment ou a aprovação pela Câmara de investigação dos inúmeros crimes cometidos pelo chefe da famiglia Bolsonaro na asquerosa negligência no combate à pandemia e à recessão por ela provocada. O resto é lorota assassina para acalentar gado. Por José Nêumanne Pinto - Blog do Magno Martins