Gazeta do Povo
Algumas das restrições do decreto mais duro da ditadura militar, o AI-5, estão de volta. Censura prévia, centralização de poder e proibição de manifestações políticas são semelhanças que vão além de meras coincidências.
Dadas as diferenças históricas de alcance e opressão, algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitam a liberdade e controlam o Executivo e o Legislativo se aproximam das impostas em 1968 pelos militares.
A “releitura” do AI-5 em 2025 é digital, sutil e opera dentro da lei. Essa característica, segundo especialistas, torna a versão atual mais complexa: se o Judiciário decide tudo em nome da democracia, para onde recorrer?
As semelhanças e coincidências
O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) foi assinado em 13 de dezembro de 1968 (coincidentemente, o dia em que nasceu Alexandre de Moraes).
Assinado pelo então presidente Arthur da Costa e Silva, foi o mais repressivo dos atos institucionais da ditadura militar e deu início aos “anos de chumbo”, o período mais sombrio e violento do regime.
Além de atos contra a liberdade de expressão em geral, dos 12 artigos do AI-5, os artigos 5º, 8º e 11º se aproximam de algumas decisões atuais do STF.
O artigo 5º do decreto suspendia direitos políticos e, entre outras proibições, impedia “atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política”.
No último fim de semana, o ministro Moraes proibiu qualquer acampamento num raio de um quilômetro na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios ou de quartéis militares em Brasília.
A decisão veio após deputados federais terem acampado na Praça em protesto pacífico. Moraes determinou a retirada imediata dos deputados, sob risco de prisão em flagrante. No entendimento do ministro do STF, com a mobilização, os deputados estariam “participando de possível prática criminosa”.
“Hoje ainda é pior do que em 1968, quando vedaram reunião apenas para políticos. Agora, é para qualquer um, inclusive turistas. Nunca vi uma praça fechada para turistas”, afirma o jurista André Marsiglia.
No lugar do presidente
O AI-5 também concedeu poderes praticamente ilimitados ao Presidente da República, suspendendo diversas garantias constitucionais, conforme o artigo 8º:
“O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis”.
Hoje, não o presidente, mas o STF confisca bens, inclusive contas em redes sociais de seus investigados, assim como de seus familiares e de terceiros. Isso porque, em 2025, o Supremo em vez de ser uma via técnica entre os três poderes, tornou-se a força política mais proeminente e usurpa o papel do Congresso em alguns momentos.
O bloqueio de posses de alguém sob investigação pode ocorrer quando há suspeita de enriquecimento ilícito ou improbidade administrativa para garantir ressarcimento – e não como punição. Muito menos para retirar a atividade profissional da pessoa, como é o caso da derrubada de contas de jornalistas em redes sociais. Também não deve atingir familiares se eles não estiverem envolvidos na acusação.
“Terceiros só podem ser envolvidos se houver fundamento. Não podem ser atingidos, mesmo parentes, é preciso mostrar envolvimento”, explica Carlos Eduardo Guerra, professor de direito do Ibmec-RJ.
Esta também é uma preocupação do advogado e professor Afonso. Para ele, o AI-5 foi explícito e brutal, enquanto o atual momento é mais sutil.
“Hoje, as medidas vêm sob o pretexto da defesa da democracia. Isso torna o fenômeno mais complexo, e talvez mais perigoso, por ser menos visível.”
Ele defende uma “cautela histórica” para comparar as restrições dos dois períodos. Inicialmente, avalia ele, é um paralelo perigoso o AI-5 com algumas ações do STF.
Entretanto, vê elementos preocupantes na atualidade, como a censura prévia disfarçada de tutela contra desinformação; prisões preventivas de natureza política, sem trânsito em julgado e sem clara tipificação; suspensão de direitos civis, como o direito de opinar ou se manifestar politicamente.
“Há similaridades de padrão, como a supressão de direitos sem devido processo legal, o silenciamento de opositores por decisão de autoridade estatal, a centralização de poder e falta de responsabilização institucional”, diz Afonso.
Já o presidente da OAB-PR avalia que a “distância é abissal” entre o AI-5 e a atuação do STF hoje em dia, principalmente porque nos anos de chumbo aconteceram fatos como o fechamento do Congresso e o habeas corpus suspenso.
“As instituições estão funcionando. O modelo que o Supremo escolheu não é o melhor, mas não se traduz em uma opção pela censura como nós conhecemos. Não dá para comparar. O Brasil vive em uma democracia, não tem censura prévia e o Congresso funciona, bem ou mal”, diz Pereira.
Guerra, por sua vez, pondera que são momentos históricos diferentes e, embora ambos tenham restrições, o AI-5 se aplicava a todos os brasileiros e foi uma ruptura da ordem constitucional. Todavia, ele alerta para que não haja abusos de poder: “Se não, quem controla o Supremo?”
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