domingo, 7 de dezembro de 2025

Por que a população de rua aumentou se a pobreza diminuiu?

Número de pessoas em situação de rua aumentou mais de 900% em uma década. Pobreza cai, mas atinge mais de 30% da população. Economistas explicam ao 'Nexo' as relações entre os dois problemas  

Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam para uma situação aparentemente contraditória: o número de pessoas abaixo da linha de pobreza diminuiu em 2022, ao passo que a população que vive nas ruas cresceu exponencialmente.

Neste texto, o Nexo contextualiza os números e mostra por que a taxa de pobreza não determina necessariamente a quantidade de pessoas em situação de rua de um país.

Os dados da pobreza

A Síntese de Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no dia 6 de dezembro mostra que, em 2022, 67,8 milhões de pessoas viviam em situação de pobreza no Brasil – 10,2 milhões a menos do que em 2021.

O percentual de brasileiros nessa condição caiu de 36,7% para 31,6%. São consideradas em situação de pobreza pessoas que vivem com até R$ 637 mensais.

A extrema pobreza também diminuiu. Em 2022, 12,7 milhões de pessoas viviam nessa condição no Brasil – 6,5 milhões a menos do que em 2021.

O percentual caiu para 5,9%, depois de ter alcançado 9%. São consideradas em situação de extrema pobreza pessoas que vivem com menos de R$ 200 mensais.

Segundo o IBGE, os maiores recuos aconteceram no Norte e Nordeste do país. É o menor patamar desde 2014 , quando o percentual foi de 5,2%.

A pesquisa mostra ainda quem é o grupo mais pobre do país: as mulheres pretas ou pardas. Duas em cada cinco estão na pobreza.

72,2% dos moradores em arranjo domiciliar formado por mulheres pretas ou pardas sem cônjuge e com filhos menores de 14 anos eram pobres em 2022. A extrema pobreza atingia 22,6%.

40% das pessoas pretas ou pardas eram pobres em 2022. Entre pessoas brancas, o percentual é de 21%

O estudo aponta o peso que os programas sociais têm nas rendas familiares desses grupos: para pessoas em extrema pobreza, os benefícios respondem por 67% do rendimento familiar. Nos domicílios considerados pobres, 20,5% – a maioria da renda, neste caso, vem do trabalho, 63,1%.

No ano de 2022, o Auxílio Brasil, que substituiu o auxílio emergencial da pandemia de covid-19 e o Bolsa Família, subiu de R$ 400 para R$ 600 em julho, às vésperas do início da campanha eleitoral, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) buscava a reeleição. Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, o benefício voltou a se chamar Bolsa Família, e os R$ 600 foram mantidos.

O IBGE mediu os impactos da ausência hipotética dos programas sociais no Brasil. Caso eles não existissem, a extrema pobreza teria sido 80% maior em 2022 e atingiria 10,6% da população.

Para a economista Laura Mueller Machado, professora do Insper, a queda nos índices de pobreza em 2022 não representa exatamente uma redução: o país voltou aos índices pré-pandemia – na crise sanitária, o problema atingiu um pico. “Voltamos para um patamar de normalidade, que é um patamar elevado”, afirmou ao Nexo .

Segundo Machado, o impacto dos programas sociais entre as pessoas em extrema pobreza pode ser lido sob uma perspectiva positiva e outra negativa: o lado bom é que pessoas em situação de vulnerabilidade extrema são assistidas. O ruim é que o baixo percentual de renda oriundo do emprego indica um problema. “Esse trabalho paga mal? Elas precisam de qualificação para conseguir um trabalho melhor? A transferência de renda é um passo para outras coisas. Neste caso, é preciso uma política de emprego”.

Os dados da situação de rua

Dados do Cadastro Único analisados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que havia cerca de 227 mil pessoas em situação de rua no país até agosto de 2023. Segundo o estudo , o aumento dessa população em uma década foi de 935%. Em 2012, 12.346 pessoas no Cadastro Único declararam que moravam nas ruas. Em 2023, foram pouco mais de 227 mil.

ANO A ANO

A população de rua é majoritariamente masculina – 87,5% são homens – e negra – 68% do total se declara preta ou parda. “A conexão entre a situação de rua e a cor é multissecular”, diz no relatório o autor do estudo, o pesquisador Marco Natalino, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea.

Uma minoria vive nas ruas com suas famílias: apenas 7%. As mulheres são 11,6% da população de rua adulta, mas 35% delas são as principais responsáveis familiares entre a parcela que vive com a família nas ruas.

4,7% das pessoas em situação de rua no Brasil são estrangeiras. Entre elas, 30% são venezuelanos

De acordo com o Ipea, o problema no Brasil pode ser explicado em três dimensões: fragilização dos vínculos familiares e comunitários, exclusão econômica e problemas de saúde mental. E elas se relacionam: mais da metade das pessoas que citam motivações para estar na rua ligadas à saúde também apontam razões familiares e econômicas.

As mais citadas são as brigas e o rompimento de vínculos familiares ou com companheiras/companheiros. O levantamento mostra que 47,3% das pessoas em situação de rua apontaram essa razão. Há ainda outras, como:

Desemprego (40,5%)

Alcoolismo e drogas (30,4%)

Perda de moradia  (26,1%)

Ameaça e violência (4,8%)

Distância do local de trabalho  (4,2%)

Tratamento de saúde (3,1%)

Opção própria (2,9%)

Outros motivos (11,2%).


Quase a metade das pessoas que vivem nas ruas (47,9%) estão nessa situação há no máximo um ano, e 22,5%, há mais de cinco anos. De acordo com o Ipea, a permanência na rua se associa com o motivo.


Quanto maior o tempo na rua, maior a probabilidade de problemas familiares e de saúde mental serem a causa. Quanto menor o tempo na rua, maior a probabilidade de serem questões econômicas. Estudo da Fundação João Pinheiro mostra que, se uma pessoa destina mais de 30% do seu salário para pagar aluguel, ela está em uma situação de aluguel oneroso. “Isso coloca essas pessoas, que são cerca de 15% a 20% da população, em risco para situação de rua”, afirmou Machado.


Na segunda-feira (11), o governo federal lançou um plano nacional voltado para pessoas em situação de rua, atendendo a uma decisão de Alexandre de Moraes. O ministro do Supremo Tribunal Federal determinou em julho que União, estados e municípios garantam direitos básicos a essa população.


Os motivos da discrepância

O primeiro fator a se observar é o intervalo de tempo que aponta para a queda da pobreza. Apesar de a taxa ser a melhor desde 2014, ela variou no período. Em 2021, ela aumentou bastante. E depois caiu em 2022 — apesar de ser a menor em oito anos, ela voltou a patamares próximos àqueles registrados antes da pandemia de covid-19.


Já o aumento exponencial da população em situação de rua aparece num intervalo de tempo de uma década, com dados até agosto de 2023.


Segundo Laura Mueller Machado, a população em situação de rua é um problema mundial e não é específica de lugares com taxas altas de pobreza e extrema pobreza, como o Brasil.


FOTO: AMANDA PEROBELLI /REUTERS 18.05.2022



HOMEM EM SITUAÇÃO DE RUA NO CENTRO DE SÃO PAULO


Ela cita como exemplo a Alemanha, cuja taxa média anual cresceu 15% entre 2012 e 2017, sendo maior do que a brasileira. Nos Estados Unidos, o índice de população de rua a cada 100 mil habitantes é o dobro do Brasil, mesmo sendo um país rico.


“É um fenômeno fora de controle em muitos lugares. Faltam avaliações para cravar o motivo principal, porque existe uma conjunção de fatores. Mas os problemas de rompimento de vínculos familiares se destacam nas pesquisas realizadas sobre o tema nos anos recentes”, disse.


Isso não significa, diz a economista, que a pobreza não esteja relacionada com a situação de rua, mas que ela não é o único fator para o problema.


De acordo com Machado, em países como a Bolívia, onde a taxa de pobreza também é alta, a população em situação de rua é reduzida. Uma das explicações é o maior senso de comunidade e solidariedade. “Boas relações, mesmo em situações complexas, parecem ser muito importantes para resolver essa questão”, afirmou.


Segundo o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, a falta de relação direta tem a ver com a complexidade e nuances de cada um dos problemas colocados pelos indicadores. “Os pobres, em geral, moram em casa própria. Precária, sem título de propriedade, mas sem pagar aluguel”, disse ao Nexo .


Para Neri, os indicadores reforçam que há um gargalo no Brasil sobretudo na questão da moradia, piorado pela valorização dos imóveis e aumento de preços de aluguéis, o que atingetambém quem não está em situação de rua. “Não estamos bem dotados de instrumentos que deem conta da complexidade do problema”, afirmou.



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