O editorial comenta ainda que, embora Trump seja uma figura polêmica, neste caso ele “acertou em cheio”. Para The Hill, a comunidade internacional deveria se atentar mais ao que ocorre no Brasil sob a justificativa de combate à desinformação.
A publicação repercutiu entre analistas internacionais e reforça o peso das denúncias feitas por parlamentares e ativistas que criticam a atuação do STF no Brasil. O artigo conclui com um alerta: “O que está acontecendo no Brasil não é apenas preocupante para os brasileiros. É um teste global sobre até onde governos podem ir para silenciar a dissidência sob o pretexto de proteger a democracia.”
Leia a publicação completa:
A recente ameaça tarifária do governo Trump contra o Brasil, somada à sanção ao juiz Alexandre de Moraes por meio da Lei Magnitsky, fez com que muitos se perguntassem: por que ele decidiu brigar com a Suprema Corte de outro país?
Seria isso apenas um gesto mesquinho, motivado pelo fato de que o Rumble — sua plataforma de mídia social favorita — foi banido? Estaria apenas irritado porque seu aliado, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o "Trump dos Trópicos", provavelmente será preso? Ou será que o governo Trump está certo ao afirmar que o tribunal brasileiro minou o Estado de Direito e a própria Constituição que jurou proteger?
Surpreendentemente, as críticas de Trump ao tribunal brasileiro estão, em grande parte, corretas.
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou-se a instituição mais poderosa do país. Ele investiga, acusa, censura e legisla. Atua como juiz, júri e executor.
O que pode não ser evidente para quem está de fora é que essa concentração de poder carrega todas as marcas do legado de 500 anos de patrimonialismo do Brasil. O tribunal não apenas toma decisões arbitrárias, como também perpetua a tradição brasileira de empoderar uma elite todo-poderosa, censora e longeva.
Esse modus operandi começou cedo em nossa história. Com a metrópole portuguesa do outro lado do oceano, as plantações coloniais — governadas pelas elites agrícolas — tornaram-se o que o Brasil tinha de mais próximo de um aparato estatal. O poder político seguia o poder econômico. A autoridade política, legitimada por títulos reais, passava de geração em geração — arraigada indefinidamente.
Padrões semelhantes de poder absoluto e duradouro continuaram após a independência do Brasil, em 1822. Durante os primeiros sessenta anos da nação, os “amigos do rei” dominaram a política brasileira. Eles emitiam decisões judiciais, controlavam o parlamento e aconselhavam o monarca — tudo para proteger os interesses de sua classe, sob a proteção de títulos vitalícios.
Mas também adicionaram uma nova camada à política nacional: o controle da opinião pública. A primeira lei contra a imprensa foi aprovada em 1830, sancionando publicações que violassem os "bons costumes", sob pena de prisão. Essa norma vaga dava aos “amigos do imperador” o poder de, nas palavras do romancista José de Alencar, “fabricar a opinião pública no Brasil”.
A transição para a república tampouco rompeu com o patrimonialismo. Durante os primeiros 40 anos, a presidência alternava-se com precisão entre os principais produtores de café e laticínios. Com autoridade federal superior à dos estados e quase nenhum controle sobre o Executivo, o poder supremo permaneceu entrincheirado entre a elite do "café com leite".
A censura também virou parte do regime. O primeiro Código Penal criou uma categoria especial para os "crimes de imprensa". Em 1923, esse poder coercitivo foi ampliado para o setor privado — editores passaram a ser responsabilizados pessoalmente pelo conteúdo publicado.
Quando o Brasil se voltou para o autoritarismo, surgiu uma nova classe dominante, igualmente duradoura. No século XX, Getúlio Vargas e seus aliados exerceram poder ditatorial irrestrito por 15 anos. O regime militar que veio depois controlou os mecanismos de poder por mais de duas décadas. A censura se intensificou. Veículos foram proibidos, jornais pró-governo subsidiados, e opiniões dissidentes criminalizadas.
Embora os regimes tenham mudado, o patrimonialismo sobreviveu — e hoje não é diferente.
Os primeiros sinais do novo clientelismo surgiram em 2019, quando o STF expandiu sua jurisdição a níveis inéditos. No contexto do "Inquérito das Fake News", o ministro Moraes assumiu amplos poderes investigativos. Cidadãos foram presos, jornalistas silenciados, e a Polícia Federal passou a responder diretamente ao Supremo. Sem prazo de encerramento, o inquérito permitiu que Moraes julgasse de forma indefinida, unilateral e soberana — sem instâncias de controle.
Além disso, o tribunal passou a legislar. Há seis anos, criminalizou sozinho a homofobia. No mês passado, sugeriu diretrizes para a regulamentação das redes sociais. Em seguida, o ministro Gilmar Mendes encaminhou recomendações ao Congresso sobre como legislar sobre terras indígenas.
O controle da opinião pública também foi retomado. A Jovem Pan foi suspensa após reportagens precisas, inclusive sobre a prisão do então ex-presidente Lula. A plataforma X (antigo Twitter) foi temporariamente bloqueada por se recusar a remover críticas ao ministro Moraes. E o novo plano do tribunal, de responsabilizar diretamente plataformas de código aberto pelo conteúdo dos usuários, remete à velha lei de imprensa do século XIX.
Para completar, os ministros permanecem no cargo até os 75 anos. Ou seja, além de expandir suas atribuições, o fazem com mandatos vitalícios de fato — e sem quase nenhuma responsabilização.
A pergunta que fica é: por que o retorno ao patrimonialismo? Por que censurar, legislar, e usurpar a separação e o equilíbrio de poderes?
Como uma jovem democracia, o Brasil deixou muitas questões políticas em aberto. Diante da fragmentação partidária e da dificuldade de negociação, o Congresso passou a delegar temas polêmicos a um tribunal não eleito, mas aparentemente neutro.
Com essa inércia legislativa, o STF interpretou essa delegação como licença para liderar o país — ou, nas palavras de seu presidente, para "impulsionar a história". Suas decisões passaram a se basear em resultados políticos — efeitos econômicos, estabilidade democrática, harmonia institucional — em vez de fundamentos constitucionais.
A Constituição foi transformada em instrumento de validação das ideias “certas”, não das legais. Enquanto isso, Congresso e Executivo assistiram passivamente.
Quando a ameaça do extremismo de direita surgiu, o tribunal mais uma vez assumiu para si o dever de “salvar” o país. Em nome da defesa da democracia, baniu mídias de direita, suspendeu redes sociais e interveio no discurso público.
Sem resistência, com jurisdição ilimitada e uma sensação inflada de perigo existencial, a ambição correu solta. No fim, não restou ninguém para vigiar os próprios vigilantes.
Hoje, esse guardião todo-poderoso, censor e vitalício tornou-se o novo patrono do Brasil. Ele não responde aos excessos do governo — ele é o excesso. Não protege a liberdade de expressão — a viola. Não garante transições democráticas — as inibe.
Sob o peso do patrimonialismo, o Brasil já não é governado por leis, mas por homens e mulheres de toga.
Felipe Jafet é estudante de ciência política e história em Stanford e analista de pesquisa estudantil no Laboratório de História Hoover da Instituição Hoover da Universidade Stanford.
Fonte: https://www.aliadosbrasiloficial.com.br/noticia/importante-jornal-dos-eua-afirma-e-triste-mas-trump-esta-certo-sobre-o-brasil
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