quinta-feira, 6 de novembro de 2025

O Brasil voltou: Quando medidas de governo beneficiam determinados empresários, algo não vai bem na República

Editorial Estadão

Uma reportagem recente do Estadão mostrou que um “jabuti” incluído na medida provisória da reforma do setor elétrico autoriza a construção de gasodutos com verba do Fundo Social do Pré-Sal. Essa medida pode viabilizar projetos de gasodutos ligando a costa ao interior do País, o que beneficiaria particularmente o empresário baiano Carlos Suarez, que domina o setor em diversos Estados que seriam atendidos.

É muito difícil dar o benefício da dúvida quando se está diante de tamanho favorecimento a um só empresário. Sobretudo quando se observa que esses gasodutos, se saírem do papel, serão uma extravagância inexplicável, sem justificativa econômica plausível.

Resta a explicação banal: o sr. Suarez, conhecido como “Rei do Gás”, tem extraordinária influência no governo de Lula da Silva e no Congresso dominado pelo Centrão. Isso já tinha ficado razoavelmente claro quando o grupo político que representava os interesses do empresário conseguiu incluir na lei de privatização da Eletrobras (atual Axia) a exigência de instalação de usinas térmicas em locais remotos para justificar a construção dos gasodutos. Na ocasião, o projeto dos gasodutos não prosperou, mas o governo Lula parece empenhado em insistir nele.

Em favor do sr. Suarez, diga-se que ele não é o único empresário rotineiramente favorecido por decisões do governo e do Congresso graças às suas relações com o poder em Brasília. Nesse particular, destacam-se com brilho os irmãos Wesley e Joesley Batista, donos de um conglomerado de negócios em franca expansão e que agora estão entrando com tudo no setor elétrico.

Os Batista levaram a melhor numa disputa acirrada com Suarez pela compra de termoelétricas da Eletrobras no Amazonas. Os dois irmãos adquiriram a preço irrisório a distribuidora Amazonas Energia pela Âmbar, em situação pré-falimentar. Por mais um desses acasos que somente os corredores de Brasília explicam, a Âmbar foi beneficiada por medida provisória que deu à empresa condições de assumir as térmicas da Eletrobras e negociar o controle da Amazonas Energia. Mais recentemente, compraram a participação da Eletrobras na Eletronuclear, um movimento surpreendente e que ainda carece de explicações.

De uma hora para outra, os irmãos Batista passaram a ter participação relevante no setor elétrico. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que foi “mera coincidência” o fato de que o governo editou a citada medida provisória que garantiu a recuperação financeira da Amazonas Energia apenas dias depois da transação entre Eletrobras e Âmbar. De quebra, Silveira ganhou do presidente Lula o direito de manter em sigilo por cem anos sua Declaração de Conflito de Interesses – aquela que toda autoridade deve fazer para afastar suspeitas de que pode ter interesses privados em negócios públicos sob sua alçada.

Empresários poderosos sempre haverá. Mas uma república digna do nome deve estabelecer limites claros para a influência desses empresários, porque as políticas públicas, por definição, devem ser norteadas pela transparência e pela impessoalidade. Quando decisões de governo parecem ser feitas sob medida para favorecer determinados negócios privados, algo não vai bem na República.

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